A MP 1031/2021, que trata da privatização da Eletrobras, e a MP 579/2012 são medidas mais próximas do que a data de publicação sugere. Custos adicionais calculados de forma antecipada que prometem benefício no curto prazo, mas que no longo prazo deixam um legado com alto grau de incerteza são os principais pontos. Mas ainda há a questão política atropelando a gestão feita pelo planejamento que está baseada em estudos técnicos elaborados por quem entende do assunto.
A tramitação da matéria foi tema do debate que o Portal CanalEnergia e o Idec promoveram nesta segunda-feira, 14 de junho, em uma transmissão ao vivo pelas redes sociais. A matéria que está em sua reta final por ter vencimento da MP no próximo dia 22 de junho foi alvo de críticas que endossaram o posicionamento da indústria, de associações do setor elétrico e do próprio Idec que defende os pequenos consumidores.
Segundo o consultor de Energia do Idec, o ex-diretor geral do ONS, Luiz Eduardo Barata, a contrariedade não está no fato de capitalização da Eletrobras e sim na quantidade de jabutis ali inseridos. “A discussão maior não está na capitalização da qual eu sou favorável”, disse ele. “Essa MP possui pontos que sou obrigado a discordar amplamente”, aponta ele.
Entre os pontos estão justamente o não uso da estrutura estabelecida de planejamento do setor elétrico para indicar contratação de térmicas em volume e em localização determinadas em gabinetes. “O Congresso Nacional é o representante da sociedade mas no final, não pode ser promotor do planejamento”, avalia. Lembra ainda que em um passado recente passamos por situação semelhante com a MP 579 e as consequências que a interferência política trouxe ao setor.
“Naquela época apresentaram contas maravilhosas com redução substancial da tarifa. O resultado foi uma catástrofe. As contas são feitas com base em premissas que levam a resultados em um curto tempo. Sou contrário a essas inclusões, é um preço muito alto a se pagar”, posicionou-se ele que já ocupou o cargo de presidente do conselho da CCEE e o de secretário executivo do MME.
“Naquela época apresentaram contas maravilhosas com redução substancial da tarifa. O resultado foi uma catástrofe”, Luiz Eduardo Barata, consultor
O diretor executivo da Neal, Edvaldo Santana, comentou que os cálculos apresentados pelo governo na semana passada não foram suficientes para mudar sua opinião quanto aos malefícios que a MP 1031 pode trazer ao setor elétrico. Os custos já são certos e conhecidos, comenta ele, o que não se sabe nesse ambiente são os benefícios. E concorda que a MP da Eletrobras se parece muito com a MP 579 de 2012.
Até porque o risco hidrológico será repassado ao gerador de energia elétrica. O problema, lembra Santana, é que estamos em meio a uma crise hídrica e não se sabe o quanto de água há nos reservatórios. “Não é racional fazer isso em um momento como este que vivemos”, afirma. “Sabemos que a crise agora deve ser de médio prazo, mas a MP no longo prazo trará desequilíbrio para a geração hidrelétrica, por isso precisamos ‘cuidar da casa’ e depois vemos a questão da capitalização”, acrescenta o executivo, que foi diretor da Aneel.
Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, por sua vez, destaca que no final, quem paga conta de todos os desequilíbrios acaba sendo o consumidor de energia. Ele que tem que arcar com os custos decorrentes do impacto das medidas tomadas. E afirma que “se essas medidas fossem essenciais, deveriam ter sido apresentadas no início do processo de capitalização e não coloca no meio de uma MP que atropela o planejamento e o conhecimento técnico científico”
“Se essas medidas fossem essenciais, deveriam ter sido apresentadas no início do processo de capitalização e não coloca no meio de uma MP que atropela o planejamento e o conhecimento técnico científico”, Clauber Leite, do Idec
Para todos o projeto acabou sendo desfigurado por conta justamente dos jabutis inseridos ao longo desse processo. Pois, assim como apontavam as opiniões favoráveis à capitalização da elétrica, o projeto original era, no mínimo, razoável. Hoje, reforça Santana, é muito ruim e deveria ser abandonado.
Barata lembra inclusive que o mais polêmico dos jabutis, mostra até mesmo uma incongruência de conceitos do setor. Os 6 GW de térmicas previstos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste serão inflexíveis e de reserva. Mas acontece que energia de reserva tem a premissa de ser flexível por ser de suporte às renováveis intermitentes.
Leite, do Idec, destaca que essas usinas contratadas acabarão, na realidade, deslocando as renováveis justamente por terem alto nível de inflexibilidade, entre elas a eólica e a solar. O que mostra um certo malabarismo do governo em apresentar cálculos que levam a uma redução de tarifa, como apresentado na semana passada.
Barata, que sempre foi defensor da necessidade de o país dispor de térmicas acrescenta um outro ponto, que é o fato dos submercados Norte e Nordeste serem exportadores de energia por conta das renováveis. “Se eu gerar térmicas para lá terei que entregar onde está a carga, no Sudeste, Centro-Oeste e Sul”, reforça. “Essa determinação de térmicas naquela região é um grande equívoco, não vem atender a necessidade de alocação de térmicas que funcionaria para viabilizar as renováveis que são as mais baratas fontes do sistema”, aponta.
A MP da Eletrobras assemelha-se à MP 579 de 2012, são cálculos que até podem trazer algum alívio no curto prazo, mas que no longo prazo trazem impactos a todo o setor elétrico, ainda mais em um momento de crise hídrica pela qual o país passa, Edvaldo Santana, diretor executivo da Neal
Santana aproveitou para lembrar que essa situação vem levando já a um descolamento de preços entre os submercados porque não há capacidade de transmitir toda a geração que há naquela parte do país para o centro de carga. E que colocar mais capacidade instalada por lá levaria à necessidade de mais investimentos em longas linhas de transmissão para escoar energia de uma fonte despachável, que poderia ser colocada próxima ao centro de carga mitigando os custos com ativos dessa natureza. E isso, depois da instalação de um gasoduto para levar o combustível para lá.
“Eu acredito que o país precisa até de mais térmicas do que esse volume adicionado, mas isso deve ser decidido com base técnica, onde está o gás, e ainda usinas flexíveis e não inflexíveis, para podermos potencializar a geração intermitente. Da forma que está joga no lixo o planejamento da expansão”, finaliza.